... DA DONA DO BLOG!
Perdoem o assunto totalmente diverso dos de costume, mas gostaria de lhes apresentar este meu lado, digamos, cheio de letras,rs. Mais uma de minhas paixões produtivas. Se tiverem paciência de ler até o final, agradeço. É de coração!
Fazendo a curva
Um
dia eu li num jornal uma frase que explicava a beleza de certa atriz: Ela
acordou cedo.
Como
deixei a porta aberta, alguns neurônios em tratamento de surto vieram sacudir
as ideias. E imaginei o seguinte:
Pouco antes do “desce lá e arrasa”,
precisava recolher tudo o que fosse necessário na bagagem. Para isso
acordava-se cedo, pois longas filas se formavam. Todo mundo sabe que as
melhores coisas acabam cedo.Dormi demais.
Davam-nos algumas sacolas e nela
colocaríamos o que nos fosse dado.
Havia fila pra tudo. Sem muito tempo
pra escolher,já que eram muitos departamentos e com tanta gente, comecei pelo que
me pareceu mais óbvio: Altura. Quando estava próxima, algumas mulheres à frente
desistiram e uma que ficou passou a conversar comigo,mas não conseguia ouvir
muito do que falava. Ela escolheu a altura desejada e quando chegou minha vez o
funcionário avisou que só tinha altura anã. Já ia protestar quando houve nova
desistência. Não era muito maior que o que tinha, porém me salvou uns dez
centímetros.
A próxima fila era do cabelo. Me dei
bem. Algumas ainda acreditavam na moda onde os cabelos eram curtos ou
enrolados. Escolhi cor clara e liso,mas avisaram que durante o tempo isso
poderia mudar. Dei de ombros. A moça da frente disse que preferia negro e muito
liso pois a lembrava Cleópatra. E acho que foi neste instante que despejaram
numa sacola, grande quantidade de riso pra mim. Só pode.
Depois fomos pra fila do nariz e
orelhas. Os narizes tinham nome e o mais bonitinho que achei foi um de nome “batatinha”.
Também não sei explicar por que de tanto risinho, mas tudo bem, a fila andou,
isso que importa. Quando me deram as orelhas avisaram que aquele esparadrapo
era pra segurar até cicatrizar. Sei lá por que não segurei e me dei conta que
carregava uma sacola pesada de teimosia e não me lembro de ter entrado nesta
fila. Mas enfim.
Até que chegamos a uma fila pequena,
bem pequena. Outra ao lado parecia não ter fim. A pequena era da inteligência.
A infinita era daquela região traseira que eu soube depois chamar-se “bunda”. A
moça que ia sempre à frente correu para esta fila e me pediu que colocasse numa
sacola dela,um pouco de inteligência. Na minha vez, o funcionário escorregou e
acabou por encher tanto a minha sacola com inteligência que mal podia
carregá-la. Para a moça sobrou um tiquinho, mas deu meia sola. Já na fila da
bunda...Bem, sem comentários.
Fila da paciência. Longa, muito
longa. Pessoas falavam sem parar, fumavam, cuspiam ao falar, riam alto e ouviam
funk sem fone de ouvido.E a fila travou, não andava. Pedi à moça que guardasse
meu lugar enquanto eu ia pra fila menor ao lado, a dos seios. Mais uma vez me
dei bem,mas esqueci de pegar os da moça. Coitada, quando foi lá só tinha uns
pinguinhos. Em compensação me trouxera dois dedos de paciência que, segundo
ela, seriam suficientes apenas para cuidar dos pais na velhice, se necessário,
e para filhos, quando os tivesse. Ok, no tamanho exato então.
Passando pelo humor, resolvemos
observar melhor os detalhes de toda aquela confusão enquanto aguardávamos nossa vez. Fui tecendo
comentários e ela ria muito; fui comentando e ela rindo até que passamos pela
fila e eu nem notei que enchera mais uma sacola. A dela nem tanto, porque só
conseguia rir e com isso passou que nem sentiu as gramas de humor que lhe
deram.
A moça se encantou com a fila da
vaidade e eu, achando-a muito enfadonha, migrei para outra onde tudo era tão
bonito, inspirador e de uma alegria contagiante. Enchi a sacola,claro e só ao
final soube do que se tratava: Amor incondicional.
Assim, chegamos ao final e nos
deparamos com alguns superiores. Juntas, ouvimos deles que estava próxima a
hora de descer. Ansiedade derramou de uma das minhas sacolas e fui chamada a
atenção. A tal moça iria primeiro e eu, dois anos mais tarde. Inconformada, ela
começou a chorar e pedir pra ir junto comigo depois. Os superiores disseram que
não, isso não estava nos planos do chefe. Chorou mais ainda e me surpreendeu,
pois não a vi na fila da emoção. Bastante tocados com a insistência, um deles
se adiantou e revelou:
_ Ok, serão irmãs, mas não gêmeas. Uma vai primeiro,
a outra mais tarde.
Enxugando as lágrimas e depois de
muitos abraços, a moça descobriu que se atrasara na fila do amor. E agora? Tudo bem, respondi. Divido com você.
Ainda teve um rapazinho que vinha
depois de nós e igualmente insistiu para vir junto. Foi atendido sob protestos
de ser a última insistência do dia, nenhuma outra seria aceita.
Quanto a este, não posso citar
muitos detalhes. Notei que uma de suas sacolas estava furada e totalmente vazia
já. Algo havia ficado pelo caminho. Como não sei o que foi, prefiro não
descrevê-lo. Sei lá, vai que tenha sido a do humor,né.
O tempo passou e agora é a minha vez
de contornar a curva, cinquenta anos depois. Mas continuamos juntos na viagem
fantástica que é a vida. Cada um num vagão, mas nos encontrando de vez em quando
em alguma estação.
Cris Carvalho.